sexta-feira, setembro 26, 2003

sobe e desce

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do sétimo para o rés-do-chão, vazio
depois 179 quilos para o nono
30 dos quais um pastor alemão
e os outros metade para cada um dos tipos
ficou a alcatifa com pêlos
mas os 47 quilos com perfume e saltos altos
que desceram do quinto para a cave
não se importaram com nada
para além das manchas no espelho
que todos olham quando vão sós
todos os adultos, claro
que só aqui no edifício,
entre crianças, cães e gatos com menos de 25 quilos
conto 16 criaturas que não chegam a ver as manchas do espelho
mas isso não interessa
eu gostava era do perfume da dos 47 quilos
quando ela andava por aqui
depois das festas eram 50...
mas o perfume era o mesmo...
depois passei a ter que gramar 127
por causa daqueles 80 quilos que ela arranjou.
foi num verão...
deve ter sido o perfume...
o que passei...
os 127 a olharem-se
do quinto para a cave
os 127 a comerem-se indecentemente
da cave para o quinto
os 127 a discutir a limpeza dos pêlos do pastor alemão
do quinto para o rés-do-chão
os 127 a discutir outras coisas
do rés-do-chão para o quinto
os 127 em completo silêncio
entrecortado por respiração de esforço
do quinto para o décimo primeiro
(que é o último,
e tem um pátio comum com churrasco e tudo
...e uma vista de perder de vista...)
a alcatifa ficou entretanto com uma pintas vermelhas...
mas os 80 não se importaram com nada
do trigésimo oitavo para o quinto
para além das manchas no espelho
que todos olham quando vão sós
do rés do chão para o décimo
do oitavo par o terceiro
do segundo para o sexto
do nono para o rés-dochão
com as tais pintas vermelhas
só se importou o pastor alemão
que não descansou enquanto não comeu a alcatifa
e os dos 80 começou um abaixo assinado
"estúpido, o raio do cão dos maricas ainda mata alguém!"
e os do nono tiveram que se desfazer dos 30 quilos dele
antes que os condóminos se desfizessem dos 149 deles
como o ajax que desfaz eficazmente as manchas do espelho
e nos asfixia com este pivete...

quinta-feira, setembro 04, 2003

pulgas da areia

@sixhat

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Universo > Terra > Europa > mouros > Afonso Henriques > Portugal > Leiria > fixação das dunas> D. Dinis > pinhal > pinheiro > tronco > tábua > fábrica > pauzinho > outra fábrica > supermaxi > vendedor de gelados > praia > calor > 100 paus > óh mãe > depois de comeres a sandes de carne assada > Óh faxavor! > Olá fresquinho > papel > ondéqueuponhisto? > enterra... > olha isso a derreter > cái na areia > só fazes porcaria! olha pa isto!! > Miguel Alexandre chora > baba e ranho > o homem dos gelados é ponto lá ao longe > deixa lá > anoitece > ficam as gaivotas > sobe a maré > desce a maré > amanhece > noutra praia desembarca o ponto de partida desta e de não sei quantas mais próximas aventuras...

quarta-feira, setembro 03, 2003

sossegados...

@sixhat
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José Manuel trouxe cinco frangos de churrasco
António trouxe dois garrafões de vinho
Maria Rosa trouxe um resto de bolo de aniversário
Vanessa trouxe as raquetes
Deolinda trouxe o crochet
e Mário trouxe a mulher e os filhos
José Manuel voltou para o Luxemburgo
António teve problemas na próstata
Maria Rosa engravidou de um polaco
Vanessa formou-se em enfermagem
Deolinda não morreu entretanto
e Mário processou-me por ter copiado a forma de um poema do Carlos Drummond de Andrade,
o que só lhe deu foi trabalho
pois apesar de nós dois termos estado lá,
nunca fizemos parte da história...


terça-feira, setembro 02, 2003

a urgência

@sixhat
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era o homem mais importante do mundo
no evento mais importante do mundo
com o público mais importante do mundo
na cadeira mais importante do mundo
e naquele momento
o mais importante para ele
era ir ali
fazer aquilo
mas tudo o impedia
e todos ignoravam o seu querer
e ele nada podia fazer
contra tanto respeiro e admiração...

por isso pediu licença e levantou-se
educadamente desapareceu para longe
correu até a vontade o desfazer em água
marcar a parede num jacto de quase desmaio
de prazer, de humanidade...

depois abriu os olhos
e seguiu esse caminho das traseiras
rumo a longe
encantado e livre...

a areia a escorrer-me entre os dedos, num dia de ventania

@marmes
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os grãos de areia penteiam-me a pele dos dedos
deixam as minhas mãos brancas como as de uma estátua
passam por mim
levam de mim
deixam-me a arder
mas vêm e logo vão
como as gotas de água de um banho
como as moléculas de ar que respiro
como as caras e corpos e trajes e sapatos e solas gastas
que atravesso na multidão
levam de mim o pó dos dias
e deixam-me a pele a arder
de riso ou tristeza
com alguns olhares
com alguns odores
com alguns tilintares de pestanas
que fazem cócigas
digo olá só com os olhos
para logo me despedir
os abandonar
na água da banheira
no resto do ar
na multidão que desencontro
na praia que filtro com os dedos
todos os dias
em busca de pedras preciosas e lixo
para os meus alicerces...